terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Por que ainda sou Delegado de Polícia?


Estava um dias desses em uma operação no meio de um aglomerado. Como Delegado de Polícia, esta não é minha atribuição básica, mas também não tenho como negá-la. Chegamos a um determinado local, paramos a viatura e iniciamos a subida pelas vielas. Quando encontramos a casa (barraco), me ajoelhei do lado de fora, esperando a equipe se posicionar antes de adentrarmos no local. Fiquei com medo... e tremi um pouco. Como diria lorde Stark de Winterfell, na Guerra dos Tronos: “É impossível ser corajoso sem ter medo”. Não ter medo não é ser corajoso, é ser estúpido. E foi aí, naquele momento, ajoelhado, na frente daquela porta, que me perguntei: “O que eu estou fazendo aqui?”.
Seria ótimo ter tido uma experiência milagrosa naquele momento. Queria dizer que qualquer coisa incrível acontecera, como anjos, labaredas de fogo, sapatinhos, ou até que o Harry Porter tivesse aparecido, mas nada, absolutamente nada de anormal aconteceu. Queria dizer que Deus me respondera naquele momento, dizendo algo lindo em meu coração. Todavia, eu não O ouvia. A única coisa que eu ouvia, lá no fundo da minha cabeça, era: “Ela não anda/ ela desfila/ ela é top/ capa de revista”. Alguns vizinhos haviam deixado o rádio ligado de manhã cedo.
Persistiu, assim, a pergunta: “O que estou fazendo aqui? Não era melhor um concurso que me proporcionasse uma sala confortável, em meio ao ar condicionado, em vez de uma posição torre numa favela? Não era melhor tentar ser pastor ou fazer algo mais santo (como ser missionário, mestre ou levita), em vez de ficar subindo em morros?”. Mas eu não precisava que Deus me enviasse aquelas respostas, pois eu já as tinha (só havia esquecido. Meu Deus, como aquela música era ruim!).
Sou policial, muitas vezes odiado pela sociedade (que me considera como um cachorro bravo, que deve ser mantido na coleira para não destroçar todos), temido pelos amigos (principalmente os que eu suspeito que usam droga), que nuca é convidado para churrasco (que tenha droga) e que ganha menos do que merece... Então, por que continuo nessa profissão?
Continuo, pois meu serviço não é a porta para reconhecimento e riqueza, mas sim uma obrigação: refletir o amor de Deus em toda criação. As glórias da criação continuam dando testemunho da existência e do poder de Deus, entretanto, sua condição presente inclui morte e a catástrofe. Por meio do meu trabalho, tento amenizar o processo de putrefação desse mundo caótico. Sou policial, pois tento ser sal, mas não para dar gosto. O sal não deixa o que está apodrecido mais gostoso, mas retarda o apodrecimento (John Stott).
Como é sabido, as Delegacias de Polícia, em quase sua totalidade, sofrem, assim como a maioria dos serviços públicos, pela falta de pessoal e de infraestrutura, o que gera diversas reclamações. Mesmo assim, evitamos utilizar tais deficiências como desculpas, mas tentamos, à medida do possível, dar uma resposta adequada à sociedade, tendo em vista que a polícia é first-line enforce da norma penal, não podendo tardar em sua atuação por ser a instituição mais próxima da população e de seus anseios. A Polícia cumpre, então, apesar de tantas dificuldades, seu papel máximo, que se confunde com o fim supremo do Estado: lutar para que seja respeitado o bem maior, qual seja, a vida humana, e possibilitar a vida com dignidade em comum.
Há muito que se melhorar na Polícia e sei que se eu prender alguns traficantes, ladrões, homicidas e estupradores, outros aparecerão e muitos serão soltos devido à ineficiência do sistema lento, corrupto e burocrático brasileiro. Todavia, também sei que esta é minha missão, e não desistirei dela. Deus colocou-me no mundo para cuidar da sua criação (Gêneses 2:15) e não acredito que haja melhor forma de fazê-la do que sendo um Delegado de Polícia.
Feliz dia do Delegado de Polícia para os nobres guerreiros que aceitaram essa missão.
Lucas Daniel Alves Nunes
Delegado de Polícia (Polícia Civil de Minas Gerais) - Graduado em Direito pela UFMG.
 

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