segunda-feira, 6 de outubro de 2014

EM DEFESA DA POLICIA DE CICLO COMPLETO - TEXTO 1

Na série 'Polícia de ciclo completo' publicaremos uma série de textos escritos por especialistas demonstrando a necessidade de se estabelecer o ciclo completo de polícia nos nossos estados. 



Amauri Meireles. Coronel da Reserva da PMMG
                                      
A novíssima defesa social, expressão abrangente, vem ocupando espaço antes ocupado pela segurança pública, expressão restritiva, e está sendo muito analisada, discutida, estudada. Inovando, ao enxergar a proteção contra as ameaças ao organismo social sob novo viés, tem ensejado a que alguns equívocos, sedimentados e perpetuados, comecem a ser reexaminados e passem por uma conjuntural revisão doutrinária. Ciclo completo de polícia é um deles.
Até bem pouco tempo, tinha-se como certo que referido ciclo se iniciava com os esforços da polícia ostensiva (Polícia Militar) na prevenção do crime, na prisão de criminosos e na entrega do preso à polícia judiciária (Polícia Civil), que dava prosseguimento ao ciclo com trabalhos cartoriais e investigação de autoria e materialidade de delitos. Ouviram-se, até, alegações de que seria mais adequada uma fusão dos dois órgãos em apenas um, que percorreria todo o ciclo, ou que a ambos fosse permitido cumprir o tal ciclo.
As sugestões têm origem em dois anacronismos: o primeiro são ensinamentos sob a inspiração do modelo pós-revolução francesa, estabelecendo a bipartição de polícia: administrativa (a polícia militar, com a prevenção) e judiciária (a civil, com a repressão). Em razão de escassez de material técnico-científico adequado, as anotações foram conjunturalmente aceitas. Hoje, porém, caminha-se para o consenso de que não há esta dualidade, mas, sim, vários órgãos desempenhando funções administrativas e persecutórias, que podem ser preventivas ou repressivas, com ênfase ou no poder de polícia, capacidade estatal de alterar a vontade individual em favor do interesse coletivo mediante normas e sanções, ou na força de polícia, capacidade estatal de impor a vontade do Estado. Jamais olvidando as palavras de  Pascal: "A Justiça sem a força é impotente, a força sem a Justiça é tirânica”.
O outro anacronismo diz respeito à proteção da sociedade. Contra o quê? Até início da década de 1940, o estudo da proteção da sociedade se concentrava no crime e na aplicação da pena aos criminosos, dentro de um caráter puramente retributivo. Após a 2ª guerra mundial, com o conceito de nova defesa social, somam-se a prevenção do crime e o tratamento do criminoso.
Nos tempos atuais, a defesa social, revigorada com novíssima interpretação, propugna que a proteção da sociedade não se atém à espécie-crime, mas, sim, ao gênero-ameaças, englobando, ainda, os desastres e a interrupção de serviços essenciais. O provimento da proteção é realizado pelo Estado, portanto, através de mecanismos de defesa, operacionalizados pelas inúmeras polícias, através poder ou força, mediante desempenho de função administrativa ou persecutória.
Com esta nova perspectiva da defesa da sociedade, o denominado ciclo completo de polícia se altera. Se no imaginário das pessoas persiste a idéia de que nos estados-membros há apenas duas polícias, a militar e a civil, “para prevenir e reprimir crimes”, urge que se demonstre a existência de várias polícias “para garantir a ordem social”. Inúmeras polícias, através do poder de polícia administrativa, realizam a defesa da evolução social (daí, a polícia de meio-ambiente, a fazendária, de viação, de trânsito, da educação, da tecnologia, de construções, etc.) e a defesa da seguridade social (a polícia da previdência, da saúde e da assistência social). Outras, com o poder de polícia judiciária realizam a defesa anti-infracional (polícia dos delitos), com o poder de polícia de desastres realizam a defesa contra adversidades em geral (corpos de bombeiros, que atuam na prevenção e na sustinência) e com o poder de polícia prisional, realizam a custódia e a ressocialização de apenados. Há um último órgão (com inadequado cognome de polícia militar), a força de polícia, que age de iniciativa ou garante o poder de polícia dos demais órgãos.
Verifica-se que, atuando na defesa social, temos quatro ramos de polícia cuja ação está respaldada primeiramente no poder e, secundariamente, na força. Um quinto ramo, não necessariamente o último, além de representar a força de polícia do Estado, também pratica ações embasadas em poder de polícia. Todos desempenham função administrativa, atuam na prevenção e/ou na repressão (sustinência), sendo que cada um cumpre atividades peculiares dentro de áreas específicas.
Conclui-se, assim, que nenhum órgão pode, isoladamente, percorrer um virtual ciclo completo de polícia. Residualmente, constata-se que há ações policiais estanques, travando um emergente ciclo completo de defesa social. Que necessita ser pensado e praticado de forma coordenada, sem o que não haverá efetividade.

Texto publicado no site: http://www.direitopenalvirtual.com.br/

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